Brincadeiras africanas e indígenas
Jogos e brincadeiras são ferramentas poderosas para envolver, engajar e transmitir conhecimentos. No contexto da educação para as relações étnico-raciais, brincar pode potencializar o aprendizado revelando como somos todos brasileiros e, ao mesmo tempo, tão diversos. Pensando sob essa ótica, a Mind Lab faz este post para compartilhar os saberes das brincadeiras africanas e indígenas.
As brincadeiras afro-brasileiras, africanas e indígenas são essenciais para escolas quilombolas e indígenas que buscam resgatar saberes e tradições ancestrais. Além disso, são valiosas para todas as escolas da rede de Educação Básica, ajudando a cumprir as leis 10.639 e 11.645. A primeira lei obriga a inclusão de temáticas relacionadas às histórias e culturas africanas e afro-brasileiras nos currículos escolares. A segunda lei exige a inclusão da história e da cultura dos povos indígenas.
Míghian Danae Ferreira Nunes, coautora do livro digital gratuito Catálogo de Jogos e Brincadeiras Africanas e Afro-Brasileiras (Aziza Editora, 2022) e educadora do Grupo de Pesquisa Sociologia da Infância e Educação Infantil (GEPSI) e do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação da Universidade Lueji A’Nkonde de Angola (GEPEULAN), ambos da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), acredita que essas atividades celebram a vida de crianças e adultos negros. “Elas representam tanto uma denúncia do racismo quanto um reconhecimento do potencial dessas crianças que brincam”, diz Nunes.
Benefícios das brincadeiras para a integração
As brincadeiras e jogos facilitam a integração das várias dimensões do indivíduo e promovem aprendizagens significativas. A história dos povos africanos, frequentemente negligenciada na educação brasileira, é resgatada de forma lúdica e experimental, contribuindo para a formação cidadã e valorizando a cooperação em vez da competição, uma característica marcante da cultura ocidental.
Resistência e coletividade nas brincadeiras indígenas
Ao brincar, as crianças aprendem a identidade cultural de seus povos, como ser Xavante, Bororo ou Tapirapé, identificando-se e sendo identificadas por seu grupo. Este aprendizado de ser igual e ao mesmo tempo diferente do outro é um ponto central do estudo “Jogos/Brincadeiras Indígenas: A Memória Lúdica de Adultos e Idosos de Dezoito Grupos Étnicos”, publicado no livro Jogos e Culturas Indígenas: Possibilidades para a Educação Intercultural na Escola (EdUFMT, 2010), organizado pela educadora Beleni Saléte Grando.
Este estudo, realizado em 2004 com o apoio de professores indígenas em formação no ensino superior, buscou diagnosticar os jogos e brincadeiras presentes na memória das pessoas de 18 etnias (Umutina, Baniwa, Rikbatsa, Pataxó, Trumai, Xavante, Bakairi, Paresi, Irantxe, Ikpeng, Bororo, Tikuna, Terena, Tukano, Pataxó, Juruna, Tapirapé e Mehinako).
Integração e valorização dos conhecimentos tradicionais
“Concluímos que seria interessante explorar esses jogos nas escolas para valorizar os conhecimentos tradicionais. Além disso, poderíamos entender quanto essas práticas ainda são exercidas e como poderiam ser aplicadas nas escolas dessas comunidades”, afirma Severiá Idioriê Xavante, professora da EEIEB Samuel Sahutumê, em Canarana (MT), no território Xavante, e uma das autoras do estudo.
Severiá explica que os povos indígenas, incluindo os Xavantes, estão sempre “educando o corpo” para atividades cotidianas como andar longas distâncias e carregar cestas de alimentos. As brincadeiras são o início desse processo de preparação física.
“Para nós, a força física é muito importante”, comenta Tiago Honório dos Santos, educador e líder indígena que atua com um projeto de escolas itinerantes para atender 14 comunidades da etnia Guarani, subgrupo Mbya, no bairro Barragem, na zona sul de São Paulo.
Além da resistência física, Tiago destaca que as brincadeiras indígenas ensinam sobre coletividade. “Para os indígenas, estar junto é natural”, explica. Essas atividades também têm uma conexão clara com a natureza, refletindo o ambiente preservado onde muitas comunidades indígenas estão localizadas. Severiá sugere que, em vez de apenas quadras de esportes, as escolas poderiam ter áreas com areia ou incentivar os alunos a jogar descalços para se conectarem com a terra.
Experiências de integração cultural
Adriano Terena, professor de Educação Física da EEI Aldeia Ekeruá, da etnia Terena, em Avaí (SP), coordena visitas de escolas não indígenas para aprender brincadeiras Terenas e de outras etnias. Durante essas visitas, os alunos das escolas indígenas ensinam os jogos para os visitantes, promovendo uma troca cultural enriquecedora.
Brinca-se de Gavião, de Mandioca e de Ema, comuns entre os Terenas, e também de luta da tora dos Krenaks, corrida do maraka dos Guaranis, corrida com tora dos Khraôs, entre outras. Incluir jogos de diferentes etnias torna a experiência ainda mais rica. “Os visitantes devem conhecer a cultura de vários povos indígenas. Aproveitamos os encontros para aprender com outros povos e repassamos esses conhecimentos”, conta Adriano.
Brincadeiras das culturas africanas e indígenas
Brincadeiras Indígenas
1. Mandioca
Esta brincadeira possui variações entre diversas etnias, como Terena e Guarani. Para jogar, é necessário um tronco ou poste. As crianças formam uma fila em frente ao tronco e, sentadas, entrelaçam os braços ao redor da cintura do colega à frente. O primeiro da fila deve abraçar firmemente o tronco. Um dos participantes, em pé, tem a tarefa de tentar retirar, um a um, os colegas sentados no final da fila. Quem tenta puxar “as mandiocas”, ou seja, os participantes sentados, não pode puxá-los pelo pescoço ou pelos braços; deve puxar pela região próxima à barriga. Esta brincadeira é baseada na força e no senso de coletividade, pois, quando bem entrelaçados, os participantes se ajudam a manter a posição e a resistir juntos.
2. Mãe Galinha
Comum em várias etnias, essa brincadeira requer um espaço amplo, como uma quadra. Quanto mais crianças participarem (mais de 20, por exemplo), mais animada fica a atividade. Para começar, escolhe-se quem será a mãe galinha, os pintinhos e os dois gatos. As crianças que interpretam os gatos ficam dentro de um círculo desenhado no centro da quadra. O objetivo da mãe galinha é atravessar a quadra com seus pintinhos, protegendo-os dos gatos. Ao sinal da mãe galinha, todos os pintinhos correm ao mesmo tempo para o outro lado da quadra, tentando escapar dos gatos. As crianças que forem pegas se transformam em gatos e se juntam ao círculo central. Isso aumenta a dificuldade para os pintinhos, pois o número de gatos cresce a cada rodada dificultando a travessia da quadra.
3. Touro Bravo
Nesta brincadeira, relatada por membros da etnia Umutina (MT), todos os participantes, idealmente mais de quatro (quanto mais, melhor), seguram as mãos formando uma linha reta, como uma cerca. Um participante é escolhido para ser o touro bravo. Ele deve tomar distância e, em seguida, correr em direção à cerca, tentando atravessá-la. Se o touro bravo conseguir romper a cerca, os outros participantes correm atrás dele. Quem conseguir pegá-lo se torna o próximo touro bravo. Se o touro bravo não conseguir passar pela cerca, os participantes fecham rapidamente a formação em um círculo ao redor dele. Para sair, o touro bravo deve perguntar a cada integrante do círculo: “Que madeira é essa?” e cada um responde o nome de uma madeira, como “cedro” ou “pau-brasil”. Depois de perguntar a todos, ele tenta novamente romper a roda. Se conseguir, ele corre, e os outros o perseguem. Quem pegá-lo será o próximo touro bravo.
4. Peteca
Essa brincadeira, comum em várias etnias, necessita de um espaço amplo e de uma peteca. Os participantes formam dois grupos que se posicionam frente a frente, similarmente a um jogo de vôlei. O participante que estiver com a peteca a lança em direção a um membro do grupo oposto, que deve rebater a peteca enviando-a de volta ao outro time. O objetivo do jogo é evitar que a peteca caia no chão – o grupo que deixar a peteca cair perde a rodada.
5. Ema
Na brincadeira da etnia Terena, os participantes formam um círculo e uma criança é escolhida para ser a ema. Os que estão no círculo devem ficar imóveis enquanto a ema se aproxima lentamente, procurando ouvir qualquer som que revele uma armadilha. Quando a ema entra no círculo, os outros alunos fecham o círculo, formando a armadilha. A ema então pergunta a cada um dos participantes “Que madeira você é?” e cada criança responde dizendo “Eu sou eucalipto”, “Eu sou mangueira”, “Sou pé de mamão”, “Sou pé de goiaba” etc. Após perguntar a todos no círculo, a ema tenta escapar. Como os participantes disseram que são árvores, eles não podem se mover, o que facilita ou dificulta a saída da ema. A ema pode tentar escapar pulando por cima, rastejando por baixo ou passando por alguma abertura. Se conseguir sair, o círculo se desfaz e as crianças correm para tentar pegar a ema. Quem tocar na ema primeiro se torna a ema na próxima rodada.
Brincadeiras Africanas
1. Garrafinha
Esta brincadeira angolana é jogada por dois grupos, cada um composto por três a oito pessoas. No centro do espaço de jogo (que pode ser uma quadra), uma equipe deve encher e esvaziar garrafinhas com areia repetidamente. Enquanto isso, a outra equipe, dividida nas duas extremidades da quadra, tenta acertar os jogadores do centro arremessando uma bolinha, similar ao jogo de queimada. Quando alguém é acertado, as equipes trocam de lugar. O foco do jogo não é ganhar ou perder, mas sim, garantir a diversão de todos os participantes.
2. Labirinto
Originária de Moçambique, esta brincadeira pode ser realizada na quadra ou no pátio da escola. Com giz, desenha-se um labirinto no chão e as crianças começam na extremidade externa do desenho. Elas podem ficar em pé ou usar uma pedra para representar cada jogador. Para avançar pelo caminho do labirinto, os jogadores tiram par ou ímpar e o vencedor de cada rodada avança para a próxima posição. Esse processo se repete várias vezes e o primeiro a chegar ao final do labirinto ganha a partida.
3. Matacuzana
Este jogo, que inspirou brincadeiras como “três-marias”, requer pedrinhas e um buraco no chão. Se você não estiver em um local com terra, pode recortar um círculo de papel para delimitar o campo. O objetivo é lançar as pedrinhas para o ar, retirar uma ou mais do buraco e pegar a sua de volta antes que ela caia no chão. Quem errar passa a vez para o próximo jogador. O vencedor é aquele que conseguir retirar mais pedrinhas do buraco.
4. Mete-Mete
Para esta brincadeira, você precisa de um elástico comprido com as pontas amarradas e três crianças. Duas delas ficam em pé, esticando o elástico ao redor de suas pernas, enquanto a terceira criança fica no meio. A criança do meio pula e canta “Mete-Mete, tira-tira, mete vai ao meio e sai para fora, mete e tira.” Ela deve pular uma vez dentro e outra fora do elástico. Existem variações nos passos e nas formas de pular, e o desafio pode ser aumentado ao elevar a altura do elástico. Se a criança que está pulando tocar no elástico, ela passa a vez para outra criança.
5. Mancala
Este jogo, popular em muitos países africanos, é jogado por duas pessoas. Para jogar, você precisa de 36 sementes (ou qualquer outro tipo de grão) e um tabuleiro com duas cavidades maiores, chamadas de oásis (reservatórios), e 12 ou mais cavidades menores. O objetivo do jogo é distribuir as sementes, uma a uma, nas cavidades menores, até que alguém termine com o maior número de sementes nos oásis. Embora pareça simples, a complexidade do jogo é frequentemente comparada à de uma partida de xadrez.
Implementar brincadeiras africanas e indígenas na escola não apenas promove a diversidade cultural, mas também fortalece as relações étnico-raciais contribuindo para uma educação mais inclusiva e cidadã.
2 Comentários. Deixe novo
Brincadeiras de fácil aplicação, apenas a fala do jogo mete-mete pode gerar um desconforto dependendo da idade que se aplica… Talvez apenas fazer a coordenação dos movimentos para pular o elástico ficaria mais tranquilo
adoreiiiiiiiiiii