Neurociência e aprendizagem: por que é preciso olhar mais para a fase em que se iniciam as relações sócio-afetivas na infância
A fase entre os 7 e os 12 anos de idade representa os chamados anos escolares da Infância. Isso porque durante esse período a escola desempenha um papel central na vida da criança.
Ainda que não perca a relação com os pais, é durante esta etapa que os amigos ganham forte papel de influência. A escola se torna, portanto, o primeiro espaço de convivência onde irão se desenvolver as primeiras relações socioafetivas para além do núcleo familiar conhecido.
Vale lembrar que a primeira infância dita o aceleramento do desenvolvimento cerebral e das descobertas pessoais. Já os anos escolares expandem essa experiência para as relações interpessoais com o meio. É quando a criança passa a observar mais as pessoas ao seu redor e a partir disso também criar seu próprio senso de identidade.
Menos influenciadas pela percepção sensorial do que na fase anterior, é durante os anos escolares que o raciocínio lógico é fortalecido. Em paralelo, aumentam as responsabilidades de tarefas e obrigações em sua vida. O período de alfabetização que começa já um pouco antes e agora se consolida, também implica no desenvolvimento da comunicação de maneira mais madura e expressiva.
Essa transição da primeira infância para os anos escolares é tão importante, que precisa ser acompanhada de perto. Basicamente, é o primeiro “choque” entre o mundo superprotegido pelos pais e o mundo real. O ponto onde começam a surgir as primeiras responsabilidades e expectativas (tanto externas quanto internas). E por ser tão estimulante, essa fase também possui grande potencial de desenvolvimento na esfera socioemocional.
Porém, acaba não ganhando a devida atenção tanto quanto as crianças menores ou os adolescentes. Pelo fato de as mudanças e o comportamento serem menos expressivos em comparação com esses extremos, os seus desafios podem acabar sendo minimizados.
Entenda melhor sobre essa etapa da Infância!
Estágio das Operações Concretas, segundo Jean Piaget
De acordo com o famoso psicólogo, biólogo e epistemólogo suiço Jean Piaget, famoso por estudar a evolução do pensamento desde o nascimento até a adolescência, esse é o estágio das operações concretas.
A criança já mais desvinculada do caráter essencialmente lúdico da primeira infância (onde estão os estágios sensório-motor e pré-operatório, segundo Piaget), agora passa a ter uma organização mental integrada.
Saindo do egocentrismo que gira em torno de si mesmo e de suas necessidades básicas na fase anterior, o estágio das operações concretas pressupõe o senso de cooperação e justiça que passam a ser ativados pelas relações sócio-afetivas.
Nesse estágio acontece também a integração de todas as faculdades cognitivas, lúdicas, afetivas, sociais e morais.
Segundo ele, os estágios evoluem em espiral e dependem um do outro como base para se ampliar conforme avançam. E apesar de a delimitação de idade não precisar ser tão rígida, todos eles seguem uma sequência constante. Por isso a questão não se resume em ter um olhar cuidadoso apenas com os primeiros anos de vida e se esquecer do restante.
Isso porque, quando os educadores desconhecem esses estágios e todos os seus potenciais, podem acabar retardando ou acelerando o desenvolvimento pleno da criança.
Uma fase um pouco esquecida
Quem nunca ouviu falar que o filho do meio é sempre o mais esquecido? Isso porque não precisam de tantos cuidados quanto os mais novos e nem costumam causar tantos problemas quanto os mais velhos. Por fim, é clássico dizer que o filho do meio é o que recebe menos atenção.
Mas, será que essa tendência não se aplica também para a educação?
Os dados indicam que sim. Apesar de muito se falar sobre Reformas no Ensino Médio, vale lembrar que boa parte dos aspectos negativos que vemos no último período escolar, são reflexos diretos do Ensino Fundamental, quando os alunos estão aproximadamente nesta faixa etária.
De acordo com a Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (Pnad) de 2015, cerca de 20% dos alunos entre 15 e 17 anos, que deveriam estar no Ensino Médio, ainda estão no Ensino Fundamental por repetência. Além disso, muitos desistem nesta etapa, que apresenta taxa de conclusão de apenas 76%.
Em resumo, não é possível aumentar as taxas de conclusão do Ensino Médio, sem antes aumentar as taxas de conclusão do Ensino Fundamental. Afinal, uma estatística se soma à outra. Além do que hoje a qualidade de aprendizado também representa níveis bem abaixo do esperado.
Olhando para os aspectos socioemocionais, vale lembrar que essas crianças e pré-adolescentes estão apenas começando a lidar com as suas primeiras complexidades sociais. Quando as amizades começam a ter base nas afinidades e não mais no acaso das relações imediatas.
Portanto, encontra-se uma grande oportunidade para direcionar as relações interpessoais. Afinal é justamente diante do contato com as outras pessoas que se demonstram aspectos emocionais intrínsecos mais profundos, como medos e anseios que possam surgir.
Cabe então, aos educadores, identificar e guiar os alunos diante de suas primeiras experiências relacionais na infância, especialmente considerando que elas aconteçam tão expressivamente na escola.
Os primeiros dilemas e expectativas
O período entre os 7 e 12 anos de idade é aquele onde as crianças passam a desenvolver um maior senso de responsabilidade diante do mundo. O que engloba também a compreensão de seus atos e consequências.
Não só devido às obrigações cotidianas, mas também por meio do convívio em suas múltiplas esferas. Não à toa terão que lidar com algum nível de pressão e desenvolver sua autonomia diante dos novos problemas e desafios sociais e emocionais. A partir dos anos escolares começam os primeiros desafios que os seguirão por toda a vida em níveis cada vez mais complexos.
Desde ter que lidar com alguém de personalidade muito diferente em um trabalho em grupo até questões amorosas que comumente se iniciam nesta fase. Sobre esse ponto, vale ressaltar que é a partir dos 9 ou 10 anos de idade que as crianças começam a experimentar os sentimentos afetivos e os hormônios começam a aflorar.
Dessa forma é normal que eles comecem a gostar de alguém em especial e até mesmo se apaixonem, ainda que em um nível menos intenso do que para os adolescentes e os adultos. Essas são algumas novas sensações e vivências para os quais eles não estão preparados devido à falta de experiência. Por isso mesmo precisarão de muito apoio emocional.
Há também outros dilemas de relacionamento, como o das amizades. Essas crianças também estarão em busca de identificação e aceitação do grupo. Portanto, problemas como o bullying e a sensação de deslocamento social, também comuns nessa época, podem afetar profundamente sua autoestima.
Muito novo para isso?
Por falar em dilemas e responsabilidades, é comum ver adultos se anulando diante dos reais problemas das crianças, acreditando que eles são sempre triviais. Assim, acabam observando apenas o lado objetivo e acreditam que o importante é apenas não tirar notas vermelhas na escola. A ideia de que essas crianças são “muito novas para isso” bloqueiam os adultos de acessarem a vida de seus filhos e alunos de uma forma mais real.
A romantização excessiva da infância por parte dos adultos faz com que se esqueçam dos dilemas que eles mesmos já passaram antes.
E é claro que tudo terá seu limite. Exatamente por isso ter apoio e orientação emocional fará toda a diferença especialmente na pré-adolescência, onde a curiosidade começa a aumentar e eles se tornam ávidos por novas experiências.
Em um mundo em que as crianças vivenciam tudo cada vez mais cedo devido ao fácil acesso de informações, a sexualidade também não deverá ser um tabu e é preciso estar pronto para tirar dúvidas e orientá-los, evitando também que pulem etapas ou mesmo tenham uma vivência precoce.
De acordo com a psicóloga Inês Afonso Marques, especializada em neuropsicolgia pediátrica: “Desvalorizar os sentimentos da criança, dizendo por exemplo “ainda é muito novo” fará com que a criança/jovem se sinta ridículo e possa começar a recear exprimir os seus pensamentos e sentimentos. Mais importante que rotular se o que a criança/jovem sente é uma paixão verdadeira ou não, ou julgar se ela tem idade para saber o que é estar apaixonado, os pais podem desde cedo modelar e conversar sobre formas adequadas e respeitadoras de expressar apreço pelos outros.”
Rumo à uma adolescência saudável
Ao entender esse efeito em cadeia que um estágio da infância possui sobre o outro e atuar em cada um deles da maneira adequada, o próximo sempre tende a se iniciar de forma mais saudável.
Portanto a fase aproximada dos 7 aos 12 anos, também conhecida como os anos escolares ou estágio das operações concretas, é resultado das impressões iniciais da Primeira Infância e base para o período da adolescência.
Como na adolescência as pressões aumentam com dilemas afetivos ainda mais complexos, além das pressões sociais como a escolha da carreira, é essencial prepará-los para seguirem com mais autoestima e segurança ao evitar determinados problemas psicológicos mais profundos no futuro.
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Ótimo conteúdo para base da formação do ser humano, importantíssimo para os pais e futuros pais.