Os desafios do Fundamental 2
Muita energia tem sido destinada a debater e tentar encontrar soluções para o Ensino Médio. Especialmente depois que o Ministério da Educação decidiu suspender a reforma dessa etapa, que estava em seu segundo ano de implementação, para avaliar soluções para os problemas surgidos até agora.
Mas, será que os problemas do Ensino Médio não iniciam antes? Mais precisamente no Ensino Fundamental 2?
Essa etapa da Educação Básica, que atende pré-adolescentes e adolescentes dos 11 aos 14 anos, é uma das menos contempladas por esforços de reformulação e políticas públicas focadas. Pelo menos, é o que defendem os pesquisadores do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Economia Social, o Lepes, da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto.
Em 2022, o Lepes produziu um documentário intitulado “Esquecidos. Crise nos anos finais do Fundamental 2”. O filme retrata os desafios encontrados por seus pesquisadores no Fundamental 2. Além de explorar as causas desses problemas, os entrevistados apontam soluções que poderiam ajudar a tornar essa fase da educação básica mais efetiva.
No texto de hoje, nós vamos elencar os desafios levantados pelos especialistas, vamos debater algumas das causas para esses problemas e o que seria necessário para solucioná-los.
Ao final do texto, vamos deixar os links para o trailer do documentário e para o site da produção, onde é possível entrar em contato com o Lepes para agendar uma exibição na sua escola ou rede de ensino. É uma ótima oportunidade para trazer o tema à consciência e despertar o debate para as soluções necessárias para o Fundamental 2.
Boa leitura!
O que é Lepes?
Antes de entrarmos propriamente no tema, vale fazer uma pequena apresentação do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Economia Social. Ele foi fundado em 2011 pela professora Elaine Pazello e pelos professores Daniel Domingues dos Santos e Luiz Guilherme Scorzafave. Todos os três lecionam na Faculdade de Economia e Administração (FEA-USP) em Ribeirão Preto.
O objetivo principal do Lepes é entender por que, apesar do aumento dos investimentos públicos por aluno matriculado na educação básica a partir da aprovação da LDB, os indicadores de desempenho e evasão não apresentaram melhoras significativas.
Desafios do Fundamental 2
Segundo os especialistas entrevistados pelo Lepes, o Ensino Fundamental 2 vive um momento de crise que pode ser constatada na queda de desempenho dos estudantes.
Depois de deixar o Fundamental 1 feliz com a escola e com vontade de aprender, a criança parece perder o interesse e os educadores e educadoras ouvidos(as) se perguntam: por que isso acontece?
As evidências dessa queda estão nos indicadores do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), que mostram melhor pontuação no Fundamental 1 do que no Fundamental 2. Essa é uma característica inerente à quase totalidade das escolas públicas brasileiras.
No Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) e na Prova Brasil, o desempenho dos alunos apresenta melhora ao longo dos anos ao final do 5º ano, mas cai quando o mesmo estudante chega no 9º ano e cai mais ainda quando ele conclui o Ensino Médio.
“São nos anos finais do Ensino Fundamental que a gente deixa de ter um desempenho dos alunos que a gente esperaria”, afirma no documentário o professor Daniel dos Santos, um dos coordenadores do Lepes.
“O grande desafio que a gente tem hoje, do ponto de vista de aprendizagem, não começa no Ensino Médio”, complementa também no documentário Mozart Ramos Neves, membro do Conselho Nacional de Educação, titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da USP em Ribeirão Preto e conselheiro da Mind Lab. “Os déficits de aprendizagem começam exatamente nos anos finais do Ensino Fundamental.”
Causas
Ao longo do documentário, os especialistas debatem o que levaria os alunos e alunas do Fundamental 2 a esse quadro de queda na aprendizagem e desinteresse pela escola. Todos são unânimes em afirmar que essa etapa vem sendo negligenciada há pelo menos 4 décadas em termos de investimentos públicos.
Enquanto o Fundamental 1 e o Médio foram alvo de esforços para tentar reverter indicadores negativos em termos de alfabetização e evasão escolar, o Fundamental 2 jamais recebeu atenção na formulação de políticas públicas específicas para uma melhoria de desempenho.
O documentário chega à conclusão de que falta uma compreensão mais aprofundada das transformações porque passa o adolescente nessa fase da vida. Sem esse olhar mais atento, que se reflita em modelos pedagógicos pensados para lidar com as dificuldades específicas dessa faixa etária, o aluno acaba perdendo o estímulo.
Entre as causas concretas apontadas estão:
- A falta de um acolhimento para a transição do Fundamental 1 para o 2, em que a dinâmica da escola muda radicalmente
- Uma falta de coordenação entre as redes públicas de Estados e Municípios, que compartilham a responsabilidade pelo Fundamental 2.
- Falta de formação dos professores e professoras para criar um modelo de ensino mais atraente para o adolescente e mais conectado com a realidade dele.
- Falta de formação, de toda a comunidade escolar, para compreender as dificuldades trazidas pela entrada de alunas e alunos na adolescência.
- Pouco envolvimento das famílias.
- Fatores como violência, saúde mental e preconceito, que atingem tanto o ambiente escolar quanto a comunidade ao redor.
- Falta de uma pedagogia direcionada para essa idade, que proporcione maior protagonismo do jovem na relação de ensino-aprendizagem.
Além dos professores da USP, o documentário entrevista também gestoras escolares, professores e professoras que atuam no Fundamental 2 e alunos e alunas da rede pública municipal de Ribeirão preto.
Soluções
Embora não tenham respostas prontas para todos os problemas, até porque qualquer solução precisaria levar em conta os aspectos locais de cada rede e de cada escola, os especialistas são unânimes em afirmar que a aprovação de um Sistema Nacional de Educação, inspirado no SUS, seria um primeiro passo para começar a enfrentar os problemas.
Ele permitiria uma maior alinhamento entre Estados e Municípios e poderia criar as bases para melhorar a valorização docente e ampliar a motivação de professores e professoras.
Além disso, as redes públicas deveriam investir na melhor formação dos docentes para lidar com essa faixa etária, e na promoção da saúde mental dos alunos e alunas, com integração entre os serviços públicos de saúde e assistência social.
As escolas, por sua vez, deveriam buscar ampliar a integração das famílias e as universidades e cursos de licenciatura precisariam repensar o currículo de formação dos professores especialistas, com o objetivo de desenvolver uma pedagogia voltada para essa faixa etária.
Leve o documentário para a sua rede
O Lepes tem todo o interesse em exibir o documentário e promover debates sobre seu conteúdo.
Visite o site do projeto e entre em contato para agendar uma exibição.
E assista ao trailer do documentário “Esquecidos. Crise nos anos finais do Fundamental 2”.