A escola pode exigir vacinação das crianças?
A escola pode exigir vacinação das crianças?
Essa dúvida anda na cabeça de muitos educadores e gestores escolares.
As aulas estão prestes a recomeçar, no mesmo momento em que o mundo vive uma nova onda de contágios por Covid. Desta vez, com a variante Ômicron. O Brasil demorou, mas finalmente autorizou a vacinação de crianças de 5 a 11 anos. As primeiras doses já estão disponíveis. Muitos pais e responsáveis, porém, não querem vacinar seus filhos.
Diante desse cenário, surgem as dúvidas: o que fazer com as famílias que resistem a vacinar seus filhos? A escola pode exigir vacinação das crianças?
O que dizem as leis?
Ainda não há consenso jurídico formado a respeito desse assunto e é muito provável que a questão vá parar nos tribunais.
A princípio, porém, é importante analisar a Lei 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que estabeleceu uma série de medidas para a prevenção e o combate da pandemia de Covid-19. Entre as medidas sanitárias obrigatórias está a imunização compulsória.
O problema é que essa obrigatoriedade da vacinação imposta pela Lei 13.979 esbarra no artigo 15 do Código Civil Brasileiro, que determina: Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”.
Em outras palavras, cada indivíduo tem o direito, garantido por lei, de não se submeter à vacinação, negando o consentimento ao médico para a imunização.
Os defensores da vacina compulsória, porém, alegam que o Direito à Saúde está garantido na Constituição Federal de 1988.
O poder público não pode negligenciar esse direito, aqui entendido também como a preservação de pessoas que não tiveram contato com a doença, mediante ações para evitar o contágio, como a vacinação.
O que está em jogo, portanto, é um embate entre interesse público e interesse privado.
Público ou privado? Qual deve prevalecer?
Como toda questão constitucional, o tema acabou no Supremo Tribunal Federal. Ele foi consultado não em função das escolas e da vacinação infantil, mas de questionamentos em relação à imunização compulsória de forma geral. A leitura do STF, porém, pode ser aplicada à situação vivida agora pelas escolas.
O colegiado do Supremo entendeu que o direito individual deve ser preservado. Ou seja, qualquer pessoa, pelos motivos que sejam, tem o direito de se recusar a tomar a vacina contra a Covid.
O STF, porém, também manteve o direito coletivo à saúde, julgando legítimas as medidas de restrições à liberdade de locomoção do indivíduo não imunizado, com a possibilidade de aplicação de sanção monetária e o impedimento de uso de locais, seja de rápida circulação ou de permanência.
Ou seja: qualquer pessoa pode se recusar a tomar a vacina. Mas terá de aceitar restrições à sua liberdade de locomoção e de frequentar locais públicos em virtude de sua decisão.
Como isso afeta a escola?
As escolas são locais públicos de permanência, portanto poderiam, em tese, adotar sanções para a presença de crianças não imunizadas em suas dependências. As medidas seriam justificadas pela preocupação em garantir o direito coletivo à saúde.
O problema é que muitos juristas enxergam como altas as possibilidade de contestações judiciais, caso essas medidas sejam adotadas isoladamente por unidades privadas de ensino. O ideal seria que prefeituras e governos estaduais, cumprindo seu dever constitucional de garantir o direito à saúde, baixassem normas claras a respeito da conduta a ser adotada.
O ECA pode ser usado pelos gestores escolares?
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê como dever dos pais ou responsáveis prover aos filhos as vacinas obrigatórias listadas no Plano Nacional de Imunização, o PNI, de acordo com a faixa etária. Casos de negligência dessa norma podem ser comunicados pela escola ao Conselho Tutelar para que esses pais ou responsáveis sejam notificados, multados, e possam inclusive perder a guarda dos filhos em situações mais graves.
O problema é que a vacina contra Covid-19, por enquanto, não foi incluída pelo Ministério da Saúde no PNI. O ECA, nesse caso, não poderia ser utilizado como instrumento para impedir a presença de crianças não vacinadas nas dependências da escola.
Algumas prefeituras já determinam a atuação das escolas da rede em caso de carteirinhas de vacinação incompleta, com notificação ao Conselho Tutelar. O problema é que, em geral, essas regras municipais não impedem a frequência da criança à escola.
Como os gestores escolares devem atuar?
No Rio de Janeiro, a Escola Americana anunciou, em meados de janeiro, que só aceitará a presença em suas dependências, tanto na Barra da Tijuca quanto na Gávea, de alunos em dia com a vacinação contra Covid-19. A medida gerou reação entre os pais contrários à imunização e já divide a comunidade.
O ideal, no primeiro momento, é fazer um levantamento junto à sua comunidade escolar para saber o percentual de famílias que pretende não imunizar os filhos.
É importante abrir o diálogo com essas famílias, individualmente, para entender cada caso e os motivos da recusa.
Ninguém quer enfrentar ações judiciais, ou radicalizar a ponto de perder alunos. Por outro lado, garantir a segurança coletiva da comunidade deve ser uma preocupação da escola.
O diálogo com essas famílias não deve jamais seguir na direção de tentar convencê-las a vacinar o filho ou filha. O melhor é construir alternativas de atendimento a essas crianças que garantam tanto o direito individual da família, quanto o direito coletivo à saúde da comunidade escolar como um todo.