Como cuidar das crianças em meio à tragédia?
A tragédia que assola o Rio Grande do Sul está longe de cessar completamente. Para além das perdas já contabilizadas, ainda é difícil dimensionar os muitos impactos que esse episódio terá. Diante de um cenário tão desolador, voltamos nossas preocupações às crianças, em especial àquelas na primeira infância, que ficam ainda mais vulneráveis em situações assim.
Impacto das enchentes nas crianças
As recentes chuvas e enchentes no Rio Grande do Sul afetaram mais de 850 mil indivíduos e causaram desafios em mais de 400 municípios. Nesse cenário de tragédia, a vulnerabilidade das crianças se intensifica. “Catástrofes climáticas como as inundações levam cuidadores a um estado emocional de extremo impacto, dificultando a capacidade de ajudar as crianças a recuperarem segurança e amparo”, afirma o professor Rogerio Lerner, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.
A devastação do domicílio, que para as crianças é um lugar de proteção e previsibilidade, torna a situação ainda mais desafiadora. Lerner, que também integra o Comitê Científico do Núcleo Ciência pela Infância (NCPI[Rs1] [Rs2] ), destaca a importância de unir a comunidade para acolher as famílias e oferecer redes de apoio psicológico.
Importância do apoio psicossocial
É crucial que a comunidade se mobilize para oferecer suporte psicológico às famílias afetadas. A instabilidade provocada por desastres naturais abala as crianças, sendo fundamental que cuidadores ofereçam apoio para desenvolver sentimentos de segurança e amparo. “Quando ocorre a devastação do domicílio, isso se torna ainda mais desafiador”, reforça Lerner.
Muitos adultos de referência para as crianças também foram diretamente afetados pelas enchentes, dificultando ainda mais a situação.
Como reconhecer e lidar com situações de violência
Durante tragédias humanitárias, desastres e emergências, pessoas que já estavam em situação de vulnerabilidade podem estar mais suscetíveis a experiências de violência. É essencial identificar sinais de violência para oferecer o suporte necessário.
Violência física: ofensa à integridade ou saúde corporal, como golpes, empurrões, tapas, socos, restrição de movimento etc.
Violência sexual: atos ou tentativas de prática sexual não consentida, manipulações, chantagens emocionais ou comercialização da sexualidade de uma pessoa por meio de coerção.
Como acolher pessoas em situação de violência
Empatia e validação: ao ouvir relatos de violência, seja empático e não culpabilize a vítima. Evite impor crenças pessoais durante a escuta. O acolhimento deve considerar a experiência da pessoa acolhida.
Criar ambiente seguro: assegure a confidencialidade e privacidade do relato, mas informe sobre a necessidade de relatar a situação para realizar encaminhamentos necessários.
Não fazer perguntas indutivas: perguntas abertas ajudam a trazer conteúdos autênticos das necessidades e preocupações da pessoa acolhida. Por exemplo, em vez de perguntar “Você foi violentada, certo?”, pergunte “Você pode me contar o que aconteceu?”.
Agradecer a confiança: agradeça a confiança da pessoa acolhida, afirmando que ela não tem culpa ou responsabilidade pela violência sofrida. Reforce a autonomia da pessoa demonstrando respeito e elucidação da importância do indivíduo.
Especificidades do acolhimento de crianças
O acolhimento de crianças deve ser feito com linguagem adequada à idade e respeitando o ritmo do relato. Familiares e responsáveis devem ser orientados sobre comportamentos infantis esperados em momentos de crise, além dos direitos das crianças em relação à não utilização de punições físicas.
Primeiros socorros psicológicos
Existem intervenções específicas para profissionais de saúde em situações de tragédias e desastres, chamadas Primeiros Socorros Psicológicos (PSP). O acolhimento de pessoas que passaram por situações de crise está dentro dos princípios de ação dos PSP. Para mais informações, consulte o perfil no Instagram: @gpevvic e o curso do Conselho Regional de Psicologia (CRPRS) em parceria com a PUCRS.
Encaminhamentos após identificação de violência
Voluntários e profissionais devem saber como proceder após identificar situações de violência. Em casos urgentes, acione a Polícia Militar pelo telefone 190. Para denúncias, utilize o canal Disque Direitos Humanos: 100. Para violência contra crianças, contate o Conselho Tutelar mais próximo ou o Plantão de Atendimento do Conselho Tutelar após as 18h pelo telefone (51) 99158-1348.
Cuidar das crianças em meio a tragédias naturais exige atenção, empatia e ação coordenada da comunidade. Oferecer apoio emocional, identificar sinais de violência e criar ambientes seguros são passos fundamentais para proteger as crianças e ajudá-las a superar o impacto das enchentes. Juntos, podemos construir uma rede de apoio sólida e eficaz para enfrentar esses desafios.